quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Desapego

-Você naõ entende que naõ tem mais o direito disso?  - Grita uma das duas garotas.
-Aline, me dá essa garrafa. – Disse a outra, num tom mais baixo, mas com muita firmeza.
-Não! – Ela abre a garrafa de vodka e toma alguns goles longos – Você não tem o direito!
-Você ta jogando dois anos no lixo, Aline! Não ta vendo?
-Eu to jogando? – Ela ri – É melhor você dar outra olhada nos nossos papeis, Jéssica. – Agora, ela respondeu num tom sarcástico.
-Não vem brincar agora. – Ela se aproxima da garota, que era ligeiramente mais alta que ela – Você conseguiu ficar dois anos sem isso!
-Você não consegue entender, não é mesmo? – Ela aperta os olhos e, agora, fala num tom tão firme que fez os pelos dos braços de Jéssica se arrepiarem – Eu nunca me importei por beber muito, Jéssica. A verdade é que eu nem teria notado que bebia demais se você não tivesse me dito. Você me pediu pra parar e, só porque era você... – Ela dá uma parada e aponta para a garota – VOCÊ! Não qualquer uma, cara, mas você. – Ela dá alguns passos para traz, e gira, ficando de costas para a outra – Se fosse qualquer outra, eu teria ignorado. Mas era você. E, por isso, eu me esforcei. – Ela volta a se aproximar da garota – Por você. Vai ser sempre por você.
-Eu só queria te mostrar que você é muito mais do que alguns goles de álcool. – Ela parecia estar se desculpando.
-Provavelmente, você é a única pessoa no mundo que vê isso, Jé. – Ela bebe mais alguns goles, dessa vez demorados. Depois, encosta na parede e encara Jéssica, que apenas a observa. Aline abaixa a cabeça, e desliza até chegar no chão.
-Pára de se fazer de vitima, Aline. – Vendo que a outra ficou em silencio, ela continua – Você não precisa de mim pra ser feliz.
-É claro que eu preciso! Você não tem noção do quanto você me faz bem! Bem de verdade, de verdade mesmo!
-Pára de ser covarde, Aline.
-O que, vai apelar pro chingamento agora? – Então as duas ficam em silencio. Jéssica anda até onde a garota está, e encosta a cabeça no ombro dela, sentando-se ao seu lado. Foi durante esse silencio que as duas puderam, finalmente, perceber a chuva que devastava a cidade naquela noite.
Depois de alguns longos minutos de reflexão, Jéssica notou que a ex-namorada segurava a garrafa de vodca levemente e, num movimento rápido, pegou a mesma e a jogou no chão. Em questão de menos de um segundo, recebeu, no lado direito do rosto, a reação inesperada da outra: um tapa.
-O que você pensa que ta fazendo? – Jéssica estava completamente espantada pela reação da outra.
-Não, o que VOCÊ pensa que ta fazendo? – Essa se levanta – Eu já falei, Jéssica, você não tem o direito de tirar minha forma de te esquecer!
Jéssica, então, corre de encontro com Aline e a joga contra a parede.
-Pára com isso! Pára de fazer esse draminha todo, Aline! – Ela aponta para a garrafa estraçalhado no chão – Você não é aquilo, você não precisa daquilo. O que você precisa ta aqui dentro. – Ela aponta para a cabeça – Tenta, por um minuto só enxergar isso.
E Aline ficou paralisada. Ambas estavam gratas pela chuva que disfarçava suas lagrimas. A mais alta, num impulso, beija a garota na sua frente e, depois, encosta no ombro desta para chorar. A outra, exausta pela noite turbulenta, a abraça e vai caindo no chão, sobre suas pernas.
-Agora é com você mesma. – Jéssica abandona Aline, de uma vez por todas.
Aline, agora de joelhos no chão e apoiada pelas duas mãos, chorava, mas não sabia dizer se era de ódio ou de desespero. Ela levantou, agora dominada pelo segundo fator, e foi para o bar mais próximo do local e, pouco antes do sol raiar, ela estava no sofá de sua casa. Era uma bela casa. Um apartamento no 22º andar, na verdade.
O sofá do local estava, agora, virado para a varanda da sala. Ela observava, pacientemente enquanto bebia campari, o nascer do sol. Era uma das poucas coisas que ela apreciava fazer, além de beber. O que mais gostava em relação ao por e nascer do sol era que, não importava quantas vezes você já tivesse o visto, sempre se emocionava por aquela beleza.
Eram 6:23, o sol já perfeitamente posicionado um pouco acima à linha da extremidade do horizonte, quando ela levantou do sofá e ligou o rádio, colocando um cd do Red Hot Chillie Peppers. Em seguida, foi na direção da varanda, abandonando a garrafa vazia sobre o sofá.
Ela sentiu a brisa, e ouviu a musica que tocava. Respirou fundo e, rápido o bastante para não desistir da ação, pulou. A sensação de voar foi tão gratificante que ela desejou não chegar ao chão para poder aproveitar aquilo eternamente.
Em seu apartamento, que mais tarde seria investigado por algumas pessoas, tudo o que podia ser encontrado eram papeis rasgados por todo lugar, pacotes de comida e garrafas vazias. Qualquer pessoa que entrasse lá diria que ninguém botava os pés ali à anos.
Só havia uma coisa ali que realmente fazia sentido. Uma bilhete, escrito por Aline no momento em que decidiu fazer a ultima coisa que faria.
O bilhete dizia: “Só comigo mesma não dá. Esse silencio vai me deixar louca. Já estou louca. Ou não. Não faz sentido. Não vai fazer sentido. Mas acho que, só assim, eu vou conseguir o desapego com esses meus dois vícios.”

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